sexta-feira, 4 de março de 2011

Queda livre

E porque ainda não tinha reparado nos momentos de elevador, na vida? Porque foi preciso de tão evidente contraste para, ao fim, notar a diferença do tempo do elevador? E como as pessoas podem viver em casas? Quer dizer, é óbvio que elas podem viver em casas, mas aonde fica o tempo do elevador? E em um tempo em que foi feliz, de bem com a vida e, sem grandes problemas, por assim dizer, notou que morava no décimo sexto andar. Ou seja, passava grande parte do dia no elevador, considerando a sacralidade dos segundos. E passava. E lá era possível respirar em um ambiente a parte, sem moléculas que a ciência condena, sem o cosmos de fofoca e de vida alheia, e, diria mais, mundo alheio a todas as coisas. E parou para pensar no quão precioso era o tempo do elevador. Entende? Organização pessoal. Questão de organização pessoal, decidir o que fazer no dia, na semana, no mês ou da vida. Era aquele tempinho de elevador, tão precioso, que, após o tempo feliz, compactou-se em uma versão minimalista, compacta e imprópria. Insuficiente para o respirar profundo ou para quaisquer tipos de conversa sobre o tempo, ou divagações sobre cheiro de chuva e ventinho que bate enquanto se espera o tão estimado meio de transporte. Seguro, sim. Muito seguro. O mais seguro. Ele guarda segredos e pensamentos profundos. Os Gregos deviam morar em elevadores, a propósito. Pois bem, os dezesseis andares viraram abruptamente horrendos seis andares. O número mais sem graça e mais sem vida. Mais breve e sem gosto. Sem respirar. E, de repente, não encontrava mais suspiros, não encontrava mais divagações. Encontrava-se apenas, diariamente, durante seis andares, com a vida cotidiana corrida e com constantes tapas na cara que ansiavam e gritavam asperamente implorando por segundos de vida e por velocidade maior. Sim, aqueles tapas na cara rogavam por vida, mas por queda livre. E não era a queda da liberdade, era mais a queda da prisão eterna do ciclo vicioso. Um dia ou outro, algo engraçado ou não. Não fazia mais diferença. Até ali nada era especial. E agora...agora que se mudou para o décimo primeiro andar, conseguia entender. Foi só entrar no elevador para sentir aquele nó que ansiava mais velocidade e que reclamava de um elevador tão lento, que atingia objetivos de modo tão medíocre e demorado. Pensava na perda de tempo e sentia como se fosse ter um gênero peculiar de ataque cardíaco, sentia uma explosão interna. E, por fim, veio a fase de conformação, em um estilo recostar-se: Recostou-se na parede, apoiou-se ali, e respirou. Como há muito tempo não respirava. E como há muito tempo não respirava profundamente em um elevador. Foi empiirista. E ,então, naquele momento, entendeu a tamanha falta de andares que estava a ser suprida. O tamanho alívio de pensar novamente em um espaço. E tamanha foi a felicidade que abraçou aquele espaço coletivo como seu. Abraçou forte, usou de todas as forças. Poderia apertar todos os botões, de tanta felicidade, de tanta vontade de recuperar o tempo perdido. E se deu conta de que podia dormir ali, recostado. Podia se sentir confortável naquela luz baixa e reconfortante, naquela luz que era amiga e no teto cruzado que ouvia desabafos mil. Entraram pessoas, parentes, amigos. Falaram-lhe palavras. Fitava o teto. Não respondia. Exigiam respostas. Não falava. Citavam quedas livres. Deliciava-se naquele silêncio de propriedade e, por direito, seu. Apenas seu. E seguia a tendência e a filosofia do silêncio. A fim de apropriar-se de sua descoberta vital, seguia apenas uma direção. A inércia. A inércia das palavras.

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