quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Quanto às manias

Tocava uma música loucamente clássica de fundo. A mesa cintilava, não sabia bem daquele material. Pela mania de manias, lá estava ele. Os cabelos grisalhos davam aspecto largado, batido. Os óculos estavam largos. Já há algum tempo não comia. A mulher dizia, não sabia o porque do bem bolado de TOC. Fala de TOC, TOC, TOC. O único TOC que sabia era do que afirmava ouvir quando batia à porta daquele laboratório, o qual lhe arrancava o marido por dia, vezes, dias, anos, ano a ano. Pois já diagnosticava para vizinhas o rústico certeiro destino que levantava o soar das vozes abafadas das redondezas: Pois veja, presta atenção! Chamo-lhe louco, chama-se maluco, sanatório. Não comparece ao serviço, diz que agora trabalha em casa, e veja se pode, entre tantas fórmulas, haveria mesmo de ficar maluco. E pobre coitado, o trancafiado. Pois por vezes a Dona Senhora Mulher enxergava no marido aquele olhar pouco despertado desde que o tal resolvera desenvolver suas misturas caseiras. O olhar interessado do Homem que lhe despertava um frio na espinha, e borboletas no estômago. Suplicaria ali mesmo, olha para mim, olha, olha, ó. A voz sumia. Cabisbaixa. E, ó, que como por vezes terminava após uma sessão de arrumação, a vizinha vinha ajudar, ficava linda para ele nem sair. Penteava os cabelos para não ser vista, perfurmava-se para as paredes. A vizinha vinha com o mesmo discurso, hoje em dia isso é bom, ouviu na TV falar de auto-estima, perfuma-se, mulher, para si! Gasta o dinheiro desse homem, o endiabado que nem te liga. Outras vezes, aconselhada, dizia esquecer da comida, decidia por si viver introspectiva, visitava os pais, voltava, assistia à TV. E, quando o via, insistia aquele em falar de TOC e de obsessão. Por demais! Não sabia o que era obsessão, que falta de senso. Se sentia humilhada, fantasiando os antigos bailões da onde toda sua compreensão foi retirada. Mas aquele dia foi diferente. Saiu daquele galpão com ares de novo. Ainda repetia TOC, TOC, TOC, mas, dessa vez, com mais entusiasmo. Era quase um entusiasta, veja bem! Olhou-a com aquele olhar de descoberta, e ela lá, com o vestido em trapos e o cabelo jogado, acanhou-se, envergonhada. Ele a puxou para si, abriu a champagne de dezessete anos, ambebedou-se, a amou, e a girou na valsa eterna, girou, e girou. Rodou a barra da saia da velha Moça. Comemorou aos infinitos Deuses, agradeceu e Ela nem soube porque. Os suores se molharam e as salivas, enfim, se selaram. Ela disfarçou naquele sorriso torto, plantou esperanças como se renascesse um morto, e deitou na espera do corpo quente dele logo ao lado. Repousou uma xicára de chá com pinguinhos de pinga na cabeceira do Homem que amara, amou. Ama. Porque não? Ama. Ele, antes de se recolher, o que há muito não fazia, resolveu tomar um banho. Tinha ali uma mania que tanto tenta entender de manias, que tanto, por toda a vida tentava resolvê-las. Pois só tomava banho com as mãos para cima, e não podia ser de outro jeito. Pensou em si. Pensou na Mulher na cama. Pensou no que sempre fora. Fez força. Fez força consigo, força da mente. Abaixou as mãos e os braços. Fitou-os. Balançou a cabeça aos lados e logo voltou a suspendê-los. Algumas coisas não mudam. Nem com descobertas coringas. Nem com fórmulas milagrosas. E lá estava ela, esperando o soar de TOCs vindos dele, com toda a ansiedade do que ignorava ser algo, mas, por hoje, era, por demais, bom. Olhou para cima e sorriu com ênfase. Ele saiu saltitante do banheiro. As mãos ao alto, se abaixavam lentamente. Santa Hipocrisia. E que, quão, Santa. Amém.

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